Uma pipa no céu de Blumenau

Foi a primeira pipa que vi no céu de Blumenau em 10 anos que moro na cidade tipicamente sem vento.

A ausência desses objetos voadores identificáveis é agravada nesses tempos sombrios de abandono de antigas tradições infantis. Invenções que forjaram toda uma geração de empreendedores que valorizam a Internet como ferramenta poderosa, não como modo de vida.

Jovens de hoje, geeks, não brincam mais de bolinha de gude, pião, pipa. Esta última, abracei como projeto na última semana de fevereiro.

Não encontrei varetas. Segundo a dona de um bazar onde comprei a linha,  ela já as procurou muito, em todos os lugares. Não fabricam mais.

No improviso, utilizei pequenos bambus que estavam no jardim. Tive dúvida até a última hora se não seriam propícios ou pesados.

Construí a armação somente contando com a memória; não utilizei a Internet que, com certeza, deve ter um “faça você mesmo” abandonado em alguma URL.

Comprei papel de todas as cores e fui construindo devagar. A Rafaela escolheu a cor: rosa. Todo dia fazia um pouco. Colava, esticava, ajustava. A cauda da pipa me veio claramente à memória, como cortar as tiras multicoloridas em rolinhos, e dar a tarefa para a Rafa desenrolar, para irmos amarrando uma a uma.

Sábado de carnaval, dia lindo de sol, lá vamos nós testar a invenção. Com a primeira brisa percebi que ela subiria. Rafaela, animadíssima, insistiu logo para estar no controle. Ficou satisfeita com o resultado, e consegui prendê-la na atividade por 15 minutos; depois achou meio entediante ficar com aquilo no céu, parado, sem nada para derrubar, rasgar ou rabiscar. Coisas de Rafaela.

A aventura valeu. Com certeza, a pipa precisa de alguns aprimoramentos. Pendeu demais para a esquerda, o que não pode ser uma constante para quem quer se manter acima das nuvens.

Ao deixar o parque da cidade, um garçom de uma choperia próxima mostrou ter acompanhado todo o esforço:

“Ao ver o senhor, lembrei de meu tempo de menino. Ninguém acreditou aqui que a pipa sobe tanto que gente mal a enxerga no horizonte, e só sabe que ela existe por um pequeno peso, quase imperceptível, na linha esticada. O senhor acredita?”

Sorri e balancei a cabeça, “Sim, acredito”, e ele entendeu logo que eu sabia o que era aquilo.

(Manoel Fernandes Neto, jornalista, Diretor da CMM)